segunda-feira, 8 de outubro de 2007

"A Batalha dos Géneros", em Santiago de Compostela

É já aqui ao lado...

Pena que (por quanto mais irmãs mais afastadas!) não tenhamos tido acesso a esta informação mais cedo! É que esta exposição, patente até 9 de Dezembro no Centro de Arte Contemporânea, em Santiago de Compostela, subordinada ao tema da (in)visibilidade das mulheres na arte, incluiu entre outras coisas um seminário acerca da (estreita) relação entre Arte e Feminismo nos nossos dias.

Tempo há, no entanto, para dar um salto à exposição.
No programa do evento:





Tempo há, no entanto, para dar um salto à exposição.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

A Bárbara que ainda falta

Camões fê-la amada, e foi rebelde!
A voz de um poeta traz realmente, como alguém escreveu, o destino de ser a má consciência do seu tempo, quando “má” significa a impetuosidade transgressora de fugir aos cânones e refundar a moral. Daí este nosso cumprimento camoniano (ou camonista), que ama o amor de Bárbara escrava, numa altura em que a negritude não era objecto de amor, mas de opressão. A língua vê melhor desde Camões, refundada num idioma que deixa de ser cor para se instituir como timbre: e a cativa que o tinha cativo liberta-se um pouco, no golpe de asa do poeta.

Mas não nos contentemos.

Bárbara foi ainda objecto de amor, deitada placidamente no poema de outrem. Ao contrário, desobjectivada, Bárbara ressurge como símbolo, como possibilidade de ser sujeito no canto de homenagem de Manuel Alegre, quando escreve, piscando o olho à Bárbara de Camões: “Em Bárbara a diferença que faltava/ E nunca mais na língua uma só cor”!

Quando hoje, em pleno metro do porto, assistimos a um suceder de comentários racistas (e sexistas) visando alguém que comete o clamoroso pecado de se ter enganado na linha, vemos uma espécie de agressão a essa “diferença que faltava”, antes ainda de Camões, numa língua que já se percebia como “cosmopolita”, ainda que falha em entender, como o fez Alegre, que “antes de Bárbara a Europa era tão pouca”.

E Camões se faz profeta; e o Alegre se fez triste! Quando as distâncias entre pessoas parecem mais agravadas no rápido deslizar de um metro citadino.

Nós e as outras

Desconhecemos... Não se sabe determinar com rigor o começo da violência sobre o Outro e, nos fios mais silenciados da História, da violência sobre as outras...

Hoje, quando uma mundialização em curso nos põe num face-a-face com a questão da diversidade cultural que, mau grado a razoabilidade bem-pensante dos discursos políticos, continua a ser um problema amplo, agudo e complexo, perguntamos ainda: onde começa e acaba a imposição valorativa, e cultural, e etnocêntrica... E hoje, como nunca, continuamos a questionar seriamente os limites da imposição das leis, a complexa universalidade dos direitos humanos, na sua frequente deriva eurocêntrica e nos seus vagos consensualismos.

Não é vaga, porém, a dor de quem nos circunda, a dor que pesa sobre mulheres, como nós, que padecem silenciosamente de leis que as subjugam, como leis deles. Sucede que, para incómodo das pacificadas consciências, essas mulheres são hoje nossas vizinhas, nossas alunas, nossas concidadãs.

E por tudo, o problema que tão explicitamente nos coloca a Cuscavel não deixa de nos caucionar – a todas e a todos, nas peles de lobo que vestimos e nas peles de cordeiro em que nos sujeitamos.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Mulheres, Martini e 007

Martini. Desde os filmes do 007 que a bebida, misturada com vodka, conota uma deriva sexista que convém agitar, sem mexer. A publicidade tradicional é directamente proporcionada à tradição da publicidade, pelo que um Martini frequentemente se associa a grandes carros-máquinas e grandes aviões-pessoas. A velha combinação: Martini, gaja boa e disponível, carteira recheada e opulenta.

Há um par de anos, a Martini inaugurou o Martini man; uma espécie de orangotango vestido de preto, mais rico que o Marlboro man e menos interessante que a Wonder Woman. Este armário de testosterona adivinhada tem tanta saída como os Martinis que bebe, cujos perdigotos desvia dos lábios em gesto de boçalidade estudada. A sua atitude não engana: entre as mulheres que engata e os Martinis que bebe, este herói da cultura pop deve ter tanto de flatulência como de chauvinismo. E lá resiste, indiferente aos protestos de todas e de todos os que nele sentem, de alguma forma, a perpetuação de um registo que há muito se deveria ter ultrapassado.

Mas eis que surge a retractação. Vejo, com os meus muito sáficos olhos, que o Martini man passou a ser o George Clooney (também há evolução entre os homens da Martini!) e que este, em reclame recente, desprezando uma mui convencional beldade ornamentativa, passeia os esbeltos olhos numa atrevida amazona que ali se exibia. E esta, como uma espécie de Zorra latina e agressiva, reparando no copo do galã, saca da espada e desfere uma estocada testicular a um touro de gelo que por ali derretia, depositando o produto do golpe no copo do seu extasiado observador. Ficamos assim a saber que a mulher da Martini continua servil, se bem que agressiva, e que continua atenta às securas masculinas, se bem que mais estrepitosa na forma com que as sacia.

A sua indomabilidade é qualquer coisa que um homem imagina e fantasia desde os tempos da pedra lascada, agora disfarçada sob o toque “martínico” da sofisticação. A sua espada corta, com toda a certeza, mas continua tão domável como as mulheres submissas do 007... Procede, pois, como se cortasse o 00, mas deixasse permanecer o 7.

E o Martini continua Martini! E é a mesma a música do mundo, ainda que tenha mudado a velocidade da sua rotação.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Início


Em vez de um `manifesto´ inicial, a ironia de Safo, a ironia. E no feminino, o que a torna mais irónica ainda.

A ironia é uma energia mansa que, sem grandes achaques, acaricia a disposição das coisas – não as deixando intactas. Não é abusivo dizer, pois, que a ironia é uma muito justa vertente da abordagem feminina do mundo. À mulher foi vedado o achaque da gargalhada, a convulsão do riso, o rugir dionisíaco que, em bacante, deveria apenas louvar em permitida cena orgiástica. Olhamos, pois, com ironia! Não sem razão, atentando numa alegada individualidade feminina por oposição ao rumo universalista (e masculino) das leis da cidade, Hegel vislumbrou na mulher a “eterna ironia da comunidade”… Subtil corolário do filósofo de Iena, a quem tiro o meu chapéu, ironicamente sujeita à interioridade desta casa alheia de que Hegel me confiou a guarda! Aceito-a com discreto e educado prazer, mas não sem ironia!

Serei Safo, pois. A ironia com que me apresento é a feminina discrição do meu cartão de visita. E irónica me manterei, agora que séculos de tradição me abafaram o riso grácil em que imagino, um dia, essa Safo imensa, sexuada e intransigente da antiga Grécia fundadora. Não a reproduzo, mas contra-assino-a, assumindo-me antes de mais como sua herdeira; já não totalmente ridente, mas nem por isso menos irónica. Com ironia tentarei manter a arrumação, nesta minha privada cena doméstica, nesta casa alheia que cuidarei, formiga diligente olhando pelo sorriso preguiçoso da cigarra.

Porque, como Safo disse um dia, “o pranto na casa do poeta/ não é permitido, nem isso nos convém”.