segunda-feira, 1 de outubro de 2007

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Em vez de um `manifesto´ inicial, a ironia de Safo, a ironia. E no feminino, o que a torna mais irónica ainda.

A ironia é uma energia mansa que, sem grandes achaques, acaricia a disposição das coisas – não as deixando intactas. Não é abusivo dizer, pois, que a ironia é uma muito justa vertente da abordagem feminina do mundo. À mulher foi vedado o achaque da gargalhada, a convulsão do riso, o rugir dionisíaco que, em bacante, deveria apenas louvar em permitida cena orgiástica. Olhamos, pois, com ironia! Não sem razão, atentando numa alegada individualidade feminina por oposição ao rumo universalista (e masculino) das leis da cidade, Hegel vislumbrou na mulher a “eterna ironia da comunidade”… Subtil corolário do filósofo de Iena, a quem tiro o meu chapéu, ironicamente sujeita à interioridade desta casa alheia de que Hegel me confiou a guarda! Aceito-a com discreto e educado prazer, mas não sem ironia!

Serei Safo, pois. A ironia com que me apresento é a feminina discrição do meu cartão de visita. E irónica me manterei, agora que séculos de tradição me abafaram o riso grácil em que imagino, um dia, essa Safo imensa, sexuada e intransigente da antiga Grécia fundadora. Não a reproduzo, mas contra-assino-a, assumindo-me antes de mais como sua herdeira; já não totalmente ridente, mas nem por isso menos irónica. Com ironia tentarei manter a arrumação, nesta minha privada cena doméstica, nesta casa alheia que cuidarei, formiga diligente olhando pelo sorriso preguiçoso da cigarra.

Porque, como Safo disse um dia, “o pranto na casa do poeta/ não é permitido, nem isso nos convém”.

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