quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Nós e as outras

Desconhecemos... Não se sabe determinar com rigor o começo da violência sobre o Outro e, nos fios mais silenciados da História, da violência sobre as outras...

Hoje, quando uma mundialização em curso nos põe num face-a-face com a questão da diversidade cultural que, mau grado a razoabilidade bem-pensante dos discursos políticos, continua a ser um problema amplo, agudo e complexo, perguntamos ainda: onde começa e acaba a imposição valorativa, e cultural, e etnocêntrica... E hoje, como nunca, continuamos a questionar seriamente os limites da imposição das leis, a complexa universalidade dos direitos humanos, na sua frequente deriva eurocêntrica e nos seus vagos consensualismos.

Não é vaga, porém, a dor de quem nos circunda, a dor que pesa sobre mulheres, como nós, que padecem silenciosamente de leis que as subjugam, como leis deles. Sucede que, para incómodo das pacificadas consciências, essas mulheres são hoje nossas vizinhas, nossas alunas, nossas concidadãs.

E por tudo, o problema que tão explicitamente nos coloca a Cuscavel não deixa de nos caucionar – a todas e a todos, nas peles de lobo que vestimos e nas peles de cordeiro em que nos sujeitamos.

4 comentários:

cuscavel disse...

Antes de mais, brindemos (com martini?) a este teu leito!

Quanto ao post, julgo já ter respondido a esta questão noutras alturas. Não há cultura que se sobreponha aos direitos humanos. E é de desumanidade que se trata: remoção violenta de um órgão, com graves e irreversíveis danos físicos e psicológicos. E se me disseres que é com-sentido, em nada mudo o meu discurso. É uma questão de conscientização. Penosa, morosa, mas possível.

Safo disse...

Cuscavel,

Sim, há cultura que se sobrepõe realmente aos direitos humanos: a da diversidade cultural, sexual, a sua concretização singular a que a "universalidade" da Lei não chega... Não nos podemos esquecer do contexto histórico-filosófico dos DH e - de modo até a levar a sério o seu carácter inconcluso - dos seus limites; no que os levou nomeadamente a excluir as mulheres da sua formulação, e as crianças, e os "estrangeiros" nas tão precárias leis de acolhimento... Os direitos humanos - que foram, de modo mais declarado, os direitos do homem - são eles próprios produtos de uma cultura: europeia, iluminista, helénica e judaico-cristã. Hoje, estes limites dos DH colocam-se na extrema porosidade dos territórios culturais, quando os solos se fazem cada vez mais mestiços e diversos e em que, de modo evidente, a classificação genérica Direitos "Humanos" exclui mais do que inclui. Que fazemos nós, tantas vezes, com o sacro subterfúgio dos "Direitos Humanos"? Vigiamos, impomos, temos o nosso como certo e o dos outros como dúbio - e chamamos "bárbaros", ou "primitivos", ou "terroristas"...

Finalmente, há que atender ao que é a "conscientização". O termo, de Paulo Freire, apelava a fazer com que cada um possa "dizer a sua própria palavra". Para que esta "palavra" seja sua, e não de quem lha impõe ou inculca, importa fazer uma panóplia de concessões, que faz com que esta concessão seja tanto "nossa" como "deles". Daí que a conscientização seja muito mais um problema do que uma resposta, em que se assume a fragilidade de tudo o que temos por certo para gerar uma verdade própria.

Daí que resolver este problema específico, por muito evidente que pareça, não seja tão pacificamente simples quanto se pode fazer crer... A recusa não é suficiente!

cuscavel disse...

"Daí que resolver este problema específico, por muito evidente que pareça, não seja tão pacificamente simples quanto se pode fazer crer... A recusa não é suficiente!", dizes.

"Penosa, morosa, mas possível.", digo.

Onde está a diferença?

Safo disse...

Nesse aspecto não há. Quis apenas sublinhar a questão dos direitos humanos como uma questão em curso... Não discordamos, complementamo-nos!
Bjs, Cusca!